os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Capítulo 7 - O Jôgo da Amarelinha - Julio Cortazar

" Toco sua bôca, com um dedo toco o contôrno da tua bôca, vou desenhando essa bôca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua bôca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a bôca que desejo, a bôca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma bôca eleita entre tôdas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua bôca que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha.
Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bôcas encontram-se e lutam dèbilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua entre os dentes, brincando nas suas cavernas onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a bôca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já eciste uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água."

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