os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

sábado, 27 de novembro de 2010

O adultério - Gonçalo M. Tavares

A mulher hesita entre o adultério e uma conversa.
Percebo: na mesa fala baixo e sorri muito
para um homem que não é o seu marido.
Mas ainda há tempo. Por enquanto nada foi feito.
Os pensamentos, felizmente, são reversíveis.
A mulher ao sair do café
poderá ser atropelada: um embate violento, vamos supor.
Poderá, então, quem sabe, permanecer seis meses no hospital,
com o marido ao lado, e revistas;
todos os dias no horário permitido.
E, se tal acontecer, esta mulher não será adúltera.
             O homem que não é seu marido tem um fato escuro,
uma gravata cinzenta atravessada por uma subtil linha branca.
Está contente consigo próprio, é evidente, e com a gravata.
Vejo-os sair do café. Despedem-se. Faço uma pausa,
suspendo meus projectos, e observo-a a
atravessar a rua para o outro lado.
Um carro passa a grande velocidade,
mas ela já se encontra no passeio, protegida.
Do outro lado diz adeus ao homem de fato escuro,
sorri muito, abana a mão com um movimento excitado.
Ela desaparece por um lado, ele pelo outro.
Encontrar-se-ão de novo: isso é certo. Num outro dia.
Num sítio menos óbvio.
     De regresso a mim penso no que é o destino,
e no que é o tempo,
e sei, tenho uma certeza clara: aquela mulher vai sofrer.  

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ando meio fatigado de sedes afetivas inúteis e procuras insaciáveis

terça-feira, 23 de novembro de 2010

o sentimento é findo


o que não é findo
é o infinito.

poesia é dia-a-dia, sempre.

rego meu regato como um cisne brilha na sua cor.

de-rosa.

e penso que deveria amar muito mais do que posso.

domingo, 21 de novembro de 2010

Amor mais que imperfeito - Thiago de Mello

"Não do amor. De mim duvido.
Do jeito mais que imperfeito
que ainda tenho de amar.

Com freqüência reconheço
a minha mão escondida
dentro da mão que recebe
a rosa de amor que dou.
Me espiando o próprio olhar,
escondido atrás estou
dos olhos com que me vês.

Comigo mesmo reparto
o que pretende ser dádiva,
mas de mim não se desprende.

Por mais que me prolongue
no ser que me reparte,
de repente me sinto
dono da alegria
que estremece a pele
e faz nascer luas
no corpo que abraço.

Não do amor. De mim duvido
quando no centro mais claro
da ternura que te invento
engasto um gosto de preço.
Mesmo sabendo que o prêmio
do amor é apenas amar."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Thiago de Mello nosso de cada dia nos dai hoje tempo

"Tempo, te dou memória de ti mesmo
pela mão do meu ser. Eu te dou tempo,
esta a tua verdade, eu que te invento
e te permito doer - e tu me mordes
e degradas o sol das minhas pálpebras
e me instigas feiuras escondidas
e esgarças a espessura do meu sono,
mas me vingo de ti, e quase te amo
porque nunca me gastas a esperança."

domingo, 14 de novembro de 2010

"O barqueiro é o que nasce.
Que nascer jamais será chegar, pois todos chegam,
barqueiros como barcos, simultâneos.
Nascer é desvelar-se. É ter-se e dar-se.
É ser-se dono e servo, inteiramente.
Nascer é renascer, por vias úmidas."

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

depois da larica italiana

percebo como massa é animal.

bagatela de farinha às 4 da matina.

saúde sem dúvida.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Resposta para estrela cadente

Uma estrela cadente passa e faz-me cantar.
Cantar a escuridão de um céu finito.
Para ela não tenho nenhum pedido,
Só estou de leve agradecido
por fazer meu um sorriso mais bonito.

sábado, 6 de novembro de 2010

entrei na internet
pra pesquisar o mundo
ver o rio nilo
lá no fundo
enquanto destilo
um gesto moribundo
no maior estilo
vagabundo

chego em casa às seis da matina;
na minha toada tamborilo
e cada vez mais confundo
aquilo que sem querer desfilo
com todo o resto que afundo

intranquilo redundo:
percebo meu computador regendo minha manhã.
O gato fitou o infinito
com seus olhos sepulcrais

O menino fitou o gato
e no instante
percebeu

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

-e aí, fez boa viagem?
perguntou o irmão ao outro.
-não sei, não sei se retornei ainda.
olham-se.
riem-se.
-uma viagem termina, outra começa.
-não há retorno, há caminhar para onde o nariz aponta.
e seguiram, cavando um buraco na areia da praia.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

cada um tem o que merece

é preciso merecer muito
para poder ter nada?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

o sussuro de um cabelo
quando dança colado a seu rosto
é como um sopro de vida
que diz:
há para quê existir,
paixões estão na vida,
há que aproveitá-las.
http://www.youtube.com/watch?v=dvmQeggmD48

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

contradição não é imprimir enquanto imagem aos olhos alheios o que não passa em seu peito.
contradição é imprimir em seu próprio corpo, no qual não basta, nem no coração, mais que a unidade, atos que não correspondem ao que passa no peito, no desespero da salvação da psique.