os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Missão Secreta

Entramos agora em uma missão secreta.

No meio da faxina, do facebook, da obra, de prefeitura, declarações, certidões, anuências, projetos, cabeça fritando ativamente ininterruptamente, inauguro:

MISSÃO SECRETA

Falei: "poesia"!
Ela, desconfiada, olhou pra mim com cara feia. Com razão.
Então eu falei: "PUESIA!". Com o acento dentro das áspas.
Ela já sorriu discretamente. Também... poderia. Aparentemente abandonada, um blog perdido no mar da internet, dizem nuvens por aí, sei lá que porra é essa, mas é legal que ela guarde essas memórias.
Então eu larguei a furadeira. Estava indo furar a parede, mas preferi inaugurar a missão secreta.
Secreta porque puesia não quer dar as caras.
Secreta porque era como um resgate.
Secreta porque.... bem, não sei o porquê. Mas é secreta e foda-se.
É legal ser secreto.
Descobri que tem puesia que se esconde dentro da agenda do google. Safada. Fica só te bisbilhotando esperando você deixar aquele olhar triste e cansado de lado, louca por um suspiro.
Descobri uma dentro da furadeira. Daí furei a parede e apareceu uma no furo. Coloquei uma bucha ali. Sei que ela está lá. E quando eu for tirar o quadro e antes de tapar o buraco com gesso eu tiro ela de lá.
Secretamente, claro.
Ninguém vai saber da puesia. Olhos cansados não conseguem ver aquela puesia que eu vi hoje dentro da loja de vender quinquilharias de carro. E naquela placa de proibido estacionar, tinha uma abanando o rabo feito louca.
E elas me chamaram para uma missão. E eu vim. Porque pedido de puesia não se recusa. Eu não sou pessoa pra virar as costas pra ela.
Posso estar com os olhos cansados. A cabeça cansada. A alma cansada. Mas puesia é tipo andar de bicicleta. É vacina. É que nem preocupação de adulto. É que nem pensamento de criança.
Tá lá, e de lá não sai.
Por exemplo aquela puesia que eu vi naquela árvore que eu plantei. Ela tava grandona se mostrando pra todo mundo na rua. Algumas pessoas viam sua sombra. Mas só a sombra. E ela nem aí com a falta de confete. Ahh se ela fosse leonina que nem eu, taria sofrendo.
E tem tanta coisa né. Que numa missão secreta a gnt só resvala. Mas tá começada, isso que importa. Porque teve um poeta que me desafiou pessoalmente, apesar de que ele já estava morto, mas sei que ele lançou aquele desafio pra mim. Disse que fazer poesia adolescente era fácil... que queria ver fazer com 40 anos. Bem, tenho 30. E talvez poesia seja realmente dificil de fazer. Já li poetas. Mas já li puetas. E puesia é minha amiga. Tá ali dentro da minha carteira cada vez que eu abro ela pra pagar alguma besteira dessa vida descaminhada. Puesia dá uma risada danada quando bate o vento na bicicleta ou quando a chuva faz cosquinha no pára brisa do carro. Puesia tá sempre viva e se renovando. Parece bananeira de tão tranqueira que é. E essa puesia é nossa. Com U mesmo. Inventada pela cabeça das amizades. Iluminada por mestres pOetas, esses com O. Desnuviadas por professores e colegas. Tem mais gente nesse balaio, mas vou parar por aqui, afinal essa missão é secreta e não dá pra ficar dando as cartas.
No mais, deixa a puesia falar. Deixa ela dizer as bobagens dela. Que dessas bobagens brotam as flores mais lindas que podem nascer do chão. A flor da puesia. Já viu ela? Tá escondida aí, preste atenção, nasce o ano inteiro. É perene. E não tem transposição de puesia como tem de rio. Mesmo porque, se ela trocar de lugar não faz diferença. Se ela trocar de roupas também não. Se ela trocar de casa, de relação, de transporte, de loucura, faz diferença não. Ela se troca troca troca e tá lá, sempre. Sóbria. Desvairada. É noite, sombra sol, lua chuva. Mas é banho de chuva também. Isso tem que fazer. Tomar banho de chuva. Quem sabe agora, ou daqui a pouco.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

de meses atrás, mas atual ainda



Quando foi que o mundo ficou mais rápido que o meu pensamento? Quando foi que eu comecei, apenas comecei a não dar conta de me entender no meio do mundo? Quando foi que, na realidade, eu percebi que o mundo engole a gente mesmo, sem dó, e que a gente tá o tempo todo sendo engolido, e se fazendo crer que não há escapatória, que essa boca é imensa, que a gente é um plâncton entrando na boca da baleia filha da puta, chamada moby dick ou sei lá que merda de nome tinha a baleia que engoliu o Pinóquio. Quando foi? Você sabe? Imagino. Dez pra meia noite e eu na verdade me lembro do momento exato que senti a primeira vez que não dava conta de entender e me fazer ser entendido no meio da guerra que existia entre as opiniães das pessoas. Facebook é rei de me fazer lembrar disso.

Caraca, mané, que bosta que é ficar velho e não entender mais nada
Eu bosta que sou por achar não entender mais nada
Posto que poderia já começar a entender tudo
Porque estou mais velho
Do que era antes
Mas não sinto
Que cresci
O bastante

O computador muda, os dedos não mais reconhecem teclas que quero bater. Uma desmancha rapidamente, aquela que apaga voltando pra trás. Para apagar agora só o delete, mas ele apaga pra frente, e pra frente está tudo branco. Não há o que fazer senão aceitar o escrito. Escrito. Descrito brandamente o coração se escancara. Como a azia após um pão herdado da mudança da amiga. Meu corpo me estranha. E os dedos continuam não respondendo como quero. Sigo não apagando, azeitando aquilo que vem ao pôr mais palavras no balaio que é o papel em branco. Engraçado pensar que este papel é de mentira. Essas letras são de mentira. Já escrevi um poema sobre isso, uma vez. Você leu? Imagino. Sinto saudade de quem fui. Às vezes. Você sente? Imagino. Sinto frio como na época que ouvia jazz pelas primeiras vezes. Coltrane em um cd dado por um amigo. Uma música caótica que fala de amor. Você já ouviu? Imagino. Os dedos seguem querendo dizer algo deles. E em palavra se desbrava um novo ser. Palavras novamente me abraçam. É como chegar em casa depois de uma viagem longa, e quase se esquece o caminho de volta. Já escrevi uma vez também que não existe volta, que tudo é jornada pra frente, e se a frente aponta pra casa, essa casa já não é a que deixei quando parti, tampouco quem partiu é quem chega porta adentro. E olha que eu nem tenho casa – também já escrevi algumas vezes. Você sabe? Imagino. Meu recalque de formado em Letras e sobrevivente na base das revisões de texto me obriga a corrigir todo e qualquer erro de digitação. Ironicamente, a tecla quebrada é a que apaga pra trás. E eu finjo que ela não foi consertada, finjo que os erros mantêm-se como os veios de madeira de uma escultura budista japonesa do século XVII. Fluxo inescondível. Computador novo, tecla quebrada, recalque disfarçado. Disfarçada mesmo é a raiva que tenho por ter que trocar de computador. E a raiva que sinto ao não conseguir instalar o chrome direito, e a raiva de ver a ironia que é o computador novo funcionar pior do que o velho de seis anos atrás. Mas agora se vc quer saber o que é raiva mesmo, é o seguinte, eu lhe digo: raiva é sentir raiva de sentir raiva desse tipo de problema. E saber em silêncio que a cada ano que passa eu escrevo cada vez menos poema. Eu ouço cada vez menos meu pensamento, eu gasto cada vez mais dinheiro para me divertir. Eu me ocupo cada vez mais com um ser adulto, e me afasto um bocado mais de uma promessa minha que eu nem sabia que fiz. Mas que está feita, percebi ao não conseguir cumprir: não me perder da poesia. E morrer um dia. Imagino.