os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Tempos passados
são ilusão,
escrevo e percebo:
enquanto a caneta se move
no papel,
o pensamento encontra
o coração
e o passado já
não é passado nem futuro nem
presente.
É movimento,
somos movimento,
a palavra, a tinta,
o universo e alguém barbudo
que tenta olhar para o
papel, a janela e o infinito
ao mesmo tempo.

Quando a caneta encontra
o papel,
eu encontro palavras já escritas noutros cadernos,
mas tudo é Uno,
tudo é junto
(nós nunca estivemos separados)
e posso então acrescentar,
visto que não tenho mais a mesma
raiva no coração que tive outrora,
pequenas palavras
num certo verso antigo:

Scripturire
no interior
de meu corpo
interior.

E o Fugere Urben
passa a ser algo externo:
eis a ironia e a aventura
da vida.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

-Seca-

As palavras secaram.
Banhado de incertezas
meu regato consumi até o fim,
sem sequer consultar as belezas
que davam provisão.

Tudo que agora queria
era compartilhar a força cintilante
que não deixa meu amigo terminar o dia.
Quem sabe não seria a poesia
algo que impulsionaria meu pulso
a encontrar o oceano que trago
nas funduras.
Só faltaria a misteriosa força centrípeta
que condenaria todo o pútrefo pântano lodoso,
ao qual não escapa um triz da carne
que carrego nessa carcaça errante
cheia de desastres astrológicos
e pipas concertantes prendadas por crianças inocentes,
à dissolução completa no mar que se esconde
em fragmentos.

Tento chorar na esperança de poder
nas lágrimas me banhar.
É gota a gota que se descobre
o fel da imensidão vazia.
É gota a gota que se sorve o mel
dos colossos invisíveis.

As palavras secaram,
mas basta um olhar mais preciso
para notar que a compreensão nunca se esgota
e que se organizar e divertir nunca é vão.

O mistério da poesia é assim:
natureza errante dos cosmos da memória humana;
acabou a água do mundo,
no entanto,sequer começamos a desvendar os oceanos.
amizade é rama
de flor de abacate
passarinho sem ninho voando
palavra gostosa de ler
e de levar.

traço de traça troncuda,
tracejando trilho de trem;
solzinho mansinho da manhã,
ocaso acaso opaco (poente poento).

uva carnuda, que delícia!
versos matutinos, que bons de ler!
confraternizações imaginárias!
sereno das noites de chuva iminente...

ponho meus sentimentos
pelos amigos em tudo
presto homenagens ontológicas
planto sementes no céu
para que eles colham frutos maduros
e colho também
os que eles plantam.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

vida,
casa encantada.
palavra,
movente morada.
poeta,
pedaço de nada

que se glorifica
ao ser, em cada verso
que edifica,
pulso, passo
que percorre.

pedaço de nada
que a vida intensifica
pois com a vida
morre.
Poesia
Palavra crua.

Sou ser desnudado
Perante o nada.

Baque parado.

Às vezes sinto tanta falta tua
Quanto sucede com minha amada.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Capítulo 7 - O Jôgo da Amarelinha - Julio Cortazar

" Toco sua bôca, com um dedo toco o contôrno da tua bôca, vou desenhando essa bôca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua bôca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a bôca que desejo, a bôca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma bôca eleita entre tôdas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua bôca que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha.
Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bôcas encontram-se e lutam dèbilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua entre os dentes, brincando nas suas cavernas onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a bôca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já eciste uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água."

quarta-feira, 20 de maio de 2009

A palavra verdade

Você vai acordar, num dia frio
Sentir aquele gozo inexplicável
Do mijo quente perpassando a uretra
E, ao dirigir-se ao espelho, como sempre
Dessa vez vai querer quebrá-lo
Acabando assim com a cultura da vaidade.

Mas, num ato de agressividade contida
Que é o verdadeiro significado da palavra elegância
Vai pendurá-lo no ar do lado de fora da janela do banheiro
Desconsiderando assim a lei da gravidade
Que por sua vez, não é verdadeira.

Você vai vestir-se exóticamente
(Pois pelado seria instantaneamente preso):
Chapéu de caçador e tapa-olho de pirata,
Paletó com bolinhas e gravata cor-de-rosa,
Calça boca-de-sino rasgada e sapato furado.
E então vai sair na rua.

Você vai andar e agir estranhamente
Cantar e rir em voz alta
Mostrando indiferença pela opinião dos outros.
Não obstante, vai dar "bom dia" a todos,
Pedir licensa quando for necessário
E ajudar se alguém derrubar algo no chão
Pois você não é juiz da vida alheia, como eles.

Você vai ser negro, mulher, judeu
Homossexual, Sem-terra, cadeirante,
Criança, muçulmano, africano,
Alcoólatra, mendigo, travesti,
Idoso, indígena, drogado,
Pobre, mulato, latino-americano.
Vai ser julgado e condenado a ser julgado
E vai aguentar, fazendo da sua vida uma triste,
[mas linda história.

Você não vai querer impor a sua opinião
[a ninguém.
Mas vai estimular as pessoas a refletirem,
[questionarem,
A não aceitarem verdades prontas.
Você vai às igrejas, aos bancos, às escolas,
aos postos de saúde, shoppings e às
praças públicas.

Você vai debater sobre a justiça das leis,
Sobre o monopólio de interpretação dos textos
["sagrados",
Sobre a idoneidade da história dos vencedores,
Sobra a inquestionalidade da ciência,
Sobre a biologização da medicina,
Sobre a arte pela arte,
Sobre consumo e capitalismo,
Sobre a gritante infelicidade em que vivemos.

E então você vai à prefeitura, à câmara,
ao senado ou ao palácio (quanta pretensão!)
[do governador
Para demonstrar todo o seu desprezo pelos
[burocratas
Gritando palavras de ordem num alto-falante
Entoando canções de liberdade
("Enquanto os homens exercem seus podres
[poderes...")
E cobrando humanidade em seus governos.
Depois vai cobrar de si mesmo que não se
[acomode.

Por fim você, já cansado, sujo e cheirando mal
Vai a um restaurante da alta sociedade
Onde famílias perfeitas estarão jantando
Na mais perfeita harmonia: música ambiente,
Ar condicionado, comida sofisticadíssima
E vai provocar pânico só de entrar no recinto
Fazendo com que mulheres finas percam a posse
[(e se aterrorizem)
Com que pais e filhos mais velhos fechem os punhos
[embaixo das mesas
E crianças com que fiquem... curiosas!

Você vai ignorar os funcionários tentando abafar a situação discretamente vai escolher uma mesa próxima que tenha uma criança e BEIJÁ-LA NO ROSTO antes que venham as mãos que vão puxar segurar e bater e os pés no chão verá o pai da criança (QUE PARECE EM ESTADO DE CHOQUE) cochichar alguma coisa no ouvido do gerente e então será arrastado até a porta dos fundos e será executado.

Como último e derradeiro protesto
Você não estará vivo para ver o seu caso não virar
[notícia na TV e nos jornais
Que você considerava o perfeito exemplo
De como a humanidade ainda não está comprometida
[com a palavra verdade.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

sobre essa pedra edificarei

Tu és Pedro ou Simão?

Ó príncipe dos que crêem no poder da palavra!


A palavra é mais poderosa e projétil que o pensamento.


Ela dizcrve e propaga o que antes era lâmpada acesa dentro da cabeça i d é i a

Um sentir que sempre pode se revelar.


E se tu és Pedro não temas a Pedra que há em teu peito

Pois ela é

ostra, ou ainda, astro

a tua substancia essencial oh

Eixo Igreja

pé perna bacia coluna crânio coluna bacia perna pé osso

fóssil

fasquia


Eu ia dizer tronco.


Izcrvo com a licença dos meninos

Palavras silenciosas psiu

faz silêncio no meu coração


o meu silêncio

é izcrver desde muito pequena. Núscula.


Palavras....no calor da cama

ainda quentes e sonadas

vão acordando

e ainda assim quietinhas vou falando bem baixinho

acordem, acordem,

os meninos estão esperando!


terça-feira, 12 de maio de 2009

Nessa grandiosa conexão campo grande-são paulo-assis-universo, ganhamos (se é que algo se ganha nessa vida) um novo colaborador, ou melhor, colaboradora. Minha tia Ana Cláudia, a melhor fisioterapeuta de são paulo, agitadora de danças e bagunças nas ocasiões familiares (ela adora esses sambas agitados em tom maior), o que sempre levanta o ânimo, não se contentou com comentários e pediu para colaborar com o blog.

Nesse sentido segui as belas palavras do Pepo:

"Nessa utopia errante,
Quem for amigo, pode chegar.
Pois os momentos despendidos aqui
São de reconciliação com a vida."

Tudo que é poesia é bem vindo aqui. E para saudar essa "boa vinda" (govinda?), deixo duas parábolas do filósofo libanês Mikhail Naimy, só porque é boom pensar:

"Se os reis se virassem de cabeça para baixo, as coroas seriam sapatos e os sapatos coroas."

"No dia em que emprestares uma libra a teu vizinho, sentindo que és o devedor e ele, o credor, nesse dia começará tua vida como homem."

Saudades, sempre.

Ana, que seu sopro venha somar nessas falsas distâncias e nos ajude a expandir esse vento geral que se esconde dentro da gente.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sabiá com trevas.

POETA - s. m. e f.

Indivíduo que enxerga a semente germinar
e engole céu
Espécie de vasadouro para contradições
Sabiá com trevas
Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos
como um rosto
(Glossário de transnominações em que não
se explicam algumas delas (nenhumas) -ou menos)

- Manoel de Barros -


eis.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Aos amigos

Queridões Pepolosan, Mumamilo e Jony(dioni)síaco:

Caralho, vocês fizeram puta falta na virada cultural. Em grandes momentos ficava pensando "nossa, imagina se não sei quem estivesse aqui!", e "esse não sei quem" várias vezes era um "não sei quem" falsamente distanciado. Depois preciso contar sobre a TV Aberta, de repente a gente pode fazer uma aglutinação de trabalhos paulistas, interioranos e campo grandenses e ficar famosos no mundo inteiro, quiça intergalacticamente!

Mas eu não entrei aqui somente com um propósito nostálgico. Entrei também com uma proposta um tanto ousada e evidentemente complexa se observada a fundo. É o seguinte: tem um prêmio de poesias nesse site http://www.talentos.wiki.br/pagina.php?Tipo=2 e os três primeiros colocados ganham uma boa milhafa de reais. O detalhe é que eu confio universalmente na gente e tenho certeza que a gente ganha. Eu quero propor para vocês que nós participemos os quatro (viu muma?) e que se houver um ganhador nós guardemos essa grana como nosso dinheiro, um dinheiro comunitário que será usado para fazermos algo realmente foda que seja de total acordo entre nós. Um evento, de repente. Um encontro, de repente. Um ateio de fogo nas notas no meio da av paulista, de repente. Uma doação, de repente. Uma festa, de repente. Uma esbórnia, de repente. Uma VIAGEM, de repente. Ou melhor, uma viagem completa, tudo o que fazemos são viagens! Ou então a gente poderia gastar tudo em álcool e drogas e ficar de boa.

Se vocês acharem meio tenso a gente pode pensar em lance de porcentagens, por exemplo: eu ganhei o prêmio então fico com 50 por cento e o resto fica para nós. Mas sei lá, se pá eu prefiro o lance desse desapego individual e um apego na nossa pseudo-comunidade blogástica - parceria de fascinação ; fasceria de parcinação. É foda, vamos pensar, não temos muito tempo!

Que tal?

Abraços sempre saudosos,
do eterno Pedruschi.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Uma postagem bêbada às 04:10

Acontece que do tempo nós temos o instante.
Efêmero e insolúvel, brilha atordoante
No eterno que nos cerca.

O acontecimento encerra
dentre o devir de instante
e o entrevir momentâneo

o inferno que cerca os
umbigos errantes.

As certezas são infernais,
preferia não tê-las,
mas a realidade bate em minha porta
e eu já não sei mais não amar.


Está tudo bem, fora a clareza
das certezas amargamente ocultas,
e não sei nada além.

Como amar?

Pergunta fulha da puta,
Faça-me ao menos divertir
e estontear.