os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Como nossos pais

Ainda há pouco fiquei indignado ao ouvir na rádio uma inusitada sequência de músicas: primeiro tocou uma versão ao vivo da Elis Regina cantando "Como Nossos Pais", e depois rolou um Natiruts das antigas (Beija-Flôô, que trouxe meu amôô, vuô e foi emboraa). Pensei: "Porra, qual é o critério dessa merda de rádio?" (mesmo sabendo que o critério da rádio é tocar QUALQUER música que seja cantada em português do Brasil).

Seguindo a reflexão proposta pela letra da música, percebi como parte dessa minha indignação vêm de um saudosismo meio totalitário ("nossos ídolos ainda são os mesmos" (...) "você diz que depois deles não apareceu mais ninguém"), que quer fechar os olhos para um mundo que é extremamente dinâmico e uma vida totalmente diferente daquela de 30, 40 anos atrás. A outra parte da indignação é, claro, a necessidade de sentir que existe algum critério mais ativo na programação da rádio, coisa que às vezes faz com que eu me sinta um ouvinte absolutamente passivo e sem vontades. Me pego ouvindo músicas que eu realmente desgosto. No caso supracitado, simplesmente mudei de rádio e dei sorte de pegar um Ed Motta na outra. Além de tudo, é claro que o fato de estar tocando Natiruts (com todo o respeito à banda e a quem gosta) não ajudou.

O mundo é outro, a vida é outra, a arte é outra. "Mas é você que ama o passado e que não vê/Que o novo sempre vem" brada Elis Regina. É claro que a veemência da letra se coloca diante de uma situação de completa estagnação e cego saudosismo. O passado não é assim todo tão ruim. Mas não fechemos os olhos para o presente. A arte está em plena efervescência, de maneira mais ou menos crítica, como sempre foi, mas sempre se revolucionando em termos de linguagem e na maneira como vê o mundo. A filosofia, ciências humanas e sociais também não cessaram nos clássicos.

Evidentemente que, diante das últimas revoluções tecnológicas, hoje é muito mais fácil se perder no oceano de informações desencontradas e das produções sem a menor preocupação com a qualidade. Qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa, inclusive escrever um texto supostamente reflexivo como este, cujo autor não tem nenhum histórico de produção deste tipo de texto e sequer um diploma na área de jornalismo. Qualquer um pode fazer uma banda, dizer que é músico, que é poeta, que é pintor, tem pra todos os gostos. Acho ótima essa democratização, essa desburocratização da arte e da comunicação em geral (apesar de reconhecer que há algo extremamente pernicioso nisso tudo). Acho bom também que as pessoas se sintam bem fazendo algo que lhes faça bem, mesmo que elas não façam esse algo tão bem.

Mas vamos separar uma coisa da outra: no meio de tanta produção, qual é a que se preocupa com a linguagem e com a estética? Qual é a que realmente se preocupa em estimular a reflexão sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca? E finalmente, qual é a que procura dialogar conosco sem subestimar a nossa inteligência? Existem critérios objetivos e fáceis de se enxergar para que possamos selecionar ativamente aquilo que escolheremos para ouvir, para ler, para apreciar, para assistir.

Deixo o link da letra do Belchior para terminar o ensejo reflexivo:



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