Quando foi que o mundo ficou mais rápido que o meu
pensamento? Quando foi que eu comecei, apenas comecei a não dar conta de me
entender no meio do mundo? Quando foi que, na realidade, eu percebi que o mundo
engole a gente mesmo, sem dó, e que a gente tá o tempo todo sendo engolido, e
se fazendo crer que não há escapatória, que essa boca é imensa, que a gente é
um plâncton entrando na boca da baleia filha da puta, chamada moby dick ou sei
lá que merda de nome tinha a baleia que engoliu o Pinóquio. Quando foi? Você
sabe? Imagino. Dez pra meia noite e eu na verdade me lembro do momento exato
que senti a primeira vez que não dava conta de entender e me fazer ser
entendido no meio da guerra que existia entre as opiniães das pessoas. Facebook é rei de me fazer lembrar disso.
Caraca, mané, que bosta que é ficar velho e não entender
mais nada
Eu bosta que sou por achar não entender mais nada
Posto que poderia já começar a entender tudo
Porque estou mais velho
Do que era antes
Mas não sinto
Que cresci
O bastante
O computador muda, os dedos não mais reconhecem teclas que
quero bater. Uma desmancha rapidamente, aquela que apaga voltando pra trás.
Para apagar agora só o delete, mas ele apaga pra frente, e pra frente está tudo
branco. Não há o que fazer senão aceitar o escrito. Escrito. Descrito
brandamente o coração se escancara. Como a azia após um pão herdado da mudança
da amiga. Meu corpo me estranha. E os dedos continuam não respondendo como
quero. Sigo não apagando, azeitando aquilo que vem ao pôr mais palavras no
balaio que é o papel em branco. Engraçado pensar que este papel é de mentira.
Essas letras são de mentira. Já escrevi um poema sobre isso, uma vez. Você leu?
Imagino. Sinto saudade de quem fui. Às vezes. Você sente? Imagino. Sinto frio
como na época que ouvia jazz pelas primeiras vezes. Coltrane em um cd dado por
um amigo. Uma música caótica que fala de amor. Você já ouviu? Imagino. Os dedos
seguem querendo dizer algo deles. E em palavra se desbrava um novo ser.
Palavras novamente me abraçam. É como chegar em casa depois de uma viagem
longa, e quase se esquece o caminho de volta. Já escrevi uma vez também que não
existe volta, que tudo é jornada pra frente, e se a frente aponta pra casa,
essa casa já não é a que deixei quando parti, tampouco quem partiu é quem chega
porta adentro. E olha que eu nem tenho casa – também já escrevi algumas vezes.
Você sabe? Imagino. Meu recalque de formado em Letras e sobrevivente na base
das revisões de texto me obriga a corrigir todo e qualquer erro de digitação.
Ironicamente, a tecla quebrada é a que apaga pra trás. E eu finjo que ela não
foi consertada, finjo que os erros mantêm-se como os veios de madeira de uma escultura
budista japonesa do século XVII. Fluxo inescondível. Computador novo, tecla
quebrada, recalque disfarçado. Disfarçada mesmo é a raiva que tenho por ter que
trocar de computador. E a raiva que sinto ao não conseguir instalar o chrome
direito, e a raiva de ver a ironia que é o computador novo funcionar pior do
que o velho de seis anos atrás. Mas agora se vc quer saber o que é raiva mesmo,
é o seguinte, eu lhe digo: raiva é sentir raiva de sentir raiva desse tipo de
problema. E saber em silêncio que a cada ano que passa eu escrevo cada vez
menos poema. Eu ouço cada vez menos meu pensamento, eu gasto cada vez mais
dinheiro para me divertir. Eu me ocupo cada vez mais com um ser adulto, e me
afasto um bocado mais de uma promessa minha que eu nem sabia que fiz. Mas que
está feita, percebi ao não conseguir cumprir: não me perder da poesia. E morrer
um dia. Imagino.
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