os momentos despendidos aqui são de reconciliação com a vida

domingo, 18 de fevereiro de 2018

de meses atrás, mas atual ainda



Quando foi que o mundo ficou mais rápido que o meu pensamento? Quando foi que eu comecei, apenas comecei a não dar conta de me entender no meio do mundo? Quando foi que, na realidade, eu percebi que o mundo engole a gente mesmo, sem dó, e que a gente tá o tempo todo sendo engolido, e se fazendo crer que não há escapatória, que essa boca é imensa, que a gente é um plâncton entrando na boca da baleia filha da puta, chamada moby dick ou sei lá que merda de nome tinha a baleia que engoliu o Pinóquio. Quando foi? Você sabe? Imagino. Dez pra meia noite e eu na verdade me lembro do momento exato que senti a primeira vez que não dava conta de entender e me fazer ser entendido no meio da guerra que existia entre as opiniães das pessoas. Facebook é rei de me fazer lembrar disso.

Caraca, mané, que bosta que é ficar velho e não entender mais nada
Eu bosta que sou por achar não entender mais nada
Posto que poderia já começar a entender tudo
Porque estou mais velho
Do que era antes
Mas não sinto
Que cresci
O bastante

O computador muda, os dedos não mais reconhecem teclas que quero bater. Uma desmancha rapidamente, aquela que apaga voltando pra trás. Para apagar agora só o delete, mas ele apaga pra frente, e pra frente está tudo branco. Não há o que fazer senão aceitar o escrito. Escrito. Descrito brandamente o coração se escancara. Como a azia após um pão herdado da mudança da amiga. Meu corpo me estranha. E os dedos continuam não respondendo como quero. Sigo não apagando, azeitando aquilo que vem ao pôr mais palavras no balaio que é o papel em branco. Engraçado pensar que este papel é de mentira. Essas letras são de mentira. Já escrevi um poema sobre isso, uma vez. Você leu? Imagino. Sinto saudade de quem fui. Às vezes. Você sente? Imagino. Sinto frio como na época que ouvia jazz pelas primeiras vezes. Coltrane em um cd dado por um amigo. Uma música caótica que fala de amor. Você já ouviu? Imagino. Os dedos seguem querendo dizer algo deles. E em palavra se desbrava um novo ser. Palavras novamente me abraçam. É como chegar em casa depois de uma viagem longa, e quase se esquece o caminho de volta. Já escrevi uma vez também que não existe volta, que tudo é jornada pra frente, e se a frente aponta pra casa, essa casa já não é a que deixei quando parti, tampouco quem partiu é quem chega porta adentro. E olha que eu nem tenho casa – também já escrevi algumas vezes. Você sabe? Imagino. Meu recalque de formado em Letras e sobrevivente na base das revisões de texto me obriga a corrigir todo e qualquer erro de digitação. Ironicamente, a tecla quebrada é a que apaga pra trás. E eu finjo que ela não foi consertada, finjo que os erros mantêm-se como os veios de madeira de uma escultura budista japonesa do século XVII. Fluxo inescondível. Computador novo, tecla quebrada, recalque disfarçado. Disfarçada mesmo é a raiva que tenho por ter que trocar de computador. E a raiva que sinto ao não conseguir instalar o chrome direito, e a raiva de ver a ironia que é o computador novo funcionar pior do que o velho de seis anos atrás. Mas agora se vc quer saber o que é raiva mesmo, é o seguinte, eu lhe digo: raiva é sentir raiva de sentir raiva desse tipo de problema. E saber em silêncio que a cada ano que passa eu escrevo cada vez menos poema. Eu ouço cada vez menos meu pensamento, eu gasto cada vez mais dinheiro para me divertir. Eu me ocupo cada vez mais com um ser adulto, e me afasto um bocado mais de uma promessa minha que eu nem sabia que fiz. Mas que está feita, percebi ao não conseguir cumprir: não me perder da poesia. E morrer um dia. Imagino.

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