na noite fria
Já não sou mais homem
de sentir
de sofrer
e das dores do universo
fazer as minhas;
ou vice-e-versa.
Visto o verso
roupa quebrantada
letras na pele limpa
-parangolé de palavras-
e percebo:
Meu raciocínio é poético.
Abro uma cerveja.
Sorvo na noite fria
um corpo quente:
para falar de temperaturas
nada pior que um termômetro.
Aprendi de uma criança:
nada é em si
tudo é em quando:
-Calor é quando a gente põe a mão
(o olho, o dorso
o sexo, o corpo,
o colo, a palavra)
e esquenta.
FRIO?
A cada gole de cerveja
gelada
sinto a temperatura
interior
em conflito com a temperatura
exterior.
Sigo o fluxo sem muito pensar
em consistência
tragédia
ou crença,
talvez pensando durante o gesto;
poesia assenta
o pó
poesia varre
o pó
poesia junta todo
o pó
do mundo, e depois assopra
o pó
só pra recolher de novo.
Foi assim que sentei outro dia com um amigo.
Sinto-me escrevendo como um menino,
poderia até fazer versos de amor.
(Preferia um ouvido mudo
para sussurrá-los).
Outro gole de cerveja.
Hoje a noite me chamou e eu não a fui encontrar.
A fiz entrar em minha casa
e escolher meu caderno
para sua morada.
Digressão: eu sou um típico fantoche manipulador
(que raios é isso?)
Pois é, eu e a noite somos velhos conhecidos,
não vou eu a ela
e ela vem a mim,
assim é que é,
tipo a montanha e Maomé.
(que rima pobre!)
Acabo uma cerveja
e continuo, obstinado,
na inspiração.
Abro outra cerveja
e com ela, um poema:
"Minha sede repousa num maracujá grande e pesado na fruteira de casa.
Espero."
Grande e gordo
Sede
Vontade
Desejo
Ceder
Já percebo impulsos...
me contento em viver
e tratá-los com naturalidade
DESCUBRO
que para fazer poesia
não preciso, como outrora,
do pouco fazer muito.
Posso cheirar o mundo com olhos de jasmim
buscar no fundo do castelo perdido
um pedaço de jardim
ou me embriagar da sede
da fome
e do barulho insuportável
da construção em frente de casa
que não me deixaria,
se eu quisesse,
dormir.
Poesia nasce do gesto.
Queria olhar para o céu e ver uma constelação
mascá do pó só vejo o chão!
POESIA!!!
Traz-me um lava jato estelar
pra eu limpar toda a sujeira do mundo?
Verso anti-sintético,
sinto-me o canto de um bicho estranho,
nasço em tremolos gigantes
terremotos de percepções
enchentes de lágrimas
sussurros de desesperos
ou quem sabe de amantes.
Uma gota de sangue em meio à chuva
derrubou a mais alta sociedade científica
a mais baixa possibilidade
para uma lógica no mundo intrínseca:
meu verso contribui para tanto,
no entanto,
_pausa para um cerveja_
"não alcanço sequer a fímbria do saber que em vão persigo".
Minha disposição baixa
e o sono clama...
vou fechar a noite
com um versinho em chamas:
Vem,
te direi em segredo
onde leva
esta cama.
E viva o Al Pacino,
ele está no meio de nós.
Último gole de breja.
Sono.
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